Aspectos jurídicos e contábeis do Tema 1182 do STJ: a exclusão de benefícios fiscais de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL
Autores: Armênio Lopes Correia e Maysa Pittondo Deligne
Breve Histórico
Em 2017 foi publicada a Lei Complementar nº 160 que, dentre outras alterações, incluiu os parágrafos 4º e 5º no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, estabelecendo expressamente que “os incentivos fiscais e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais” de ICMS concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstas no artigo.
Nesse sentido, considerando os requisitos veiculados no caput do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, ficou autorizada a exclusão na determinação do lucro real desses incentivos fiscais estaduais, desde que registrados na conta Reserva de Incentivos Fiscais destinada (i) à absorção de prejuízos, caso anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou (ii) ao aumento do capital social.
A princípio, de acordo com a exposição de motivos da Lei Complementar nº 160, a inclusão expressa dos benefícios fiscais estaduais na condição de “subvenção para investimento” teve como objetivo a redução de litígios. Isso porque a Fazenda Nacional buscava que requisitos outros além daqueles identificados na lei fossem considerados para a análise da validade dos incentivos fiscais estaduais concedidos, dentre os quais a necessidade de comprovação da concessão do incentivo como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Essa discussão foi pacificada inicialmente pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no ERESP 1.517.492/PR no qual, especificamente quanto aos créditos presumidos de ICMS, entendeu-se pela impossibilidade de a “União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou”1, sob pena de violação ao princípio federativo. Naquele julgado foi reconhecida a natureza de subvenção para investimento dos créditos presumidos de ICMS, não cabendo à União intervir ou delimitar esse incentivo fiscal.
Este tema, frise-se está pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário (RE) 835.818, em sede de repercussão geral. O Tema 843 irá discutir a “possibilidade de exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS dos valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal.”
Mais recentemente, a discussão foi novamente levada ao STJ no REsp nº. 1.945.110 para “definir se é possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (extensão do entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL)”. O enfoque deste Tema 1182 dos recursos repetitivos é em benefícios fiscais distintos dos créditos presumidos de ICMS. E é sobre esse julgado que se aprofunda nesse breve artigo.
Cumpre mencionar que, ainda que inicialmente tenha sido deferida medida liminar pelo STF no mencionado RE 835.818 para impedir a realização do julgamento deste tema pelo STJ (o que causou inclusive a suspensão inicial da sessão), essa decisão foi reconsiderada pelo Ministro relator André Mendonça, de forma a tornar sem efeito a decisão anterior, mantida a validade do acórdão proferido pelo STJ analisado a seguir2.
Tema 1.182 (REsp nº. 1.945.110): Aspectos Jurídicos e Contábeis
Como se depreende do inteiro teor do acórdão publicado em 12 de junho de 2023, o STJ fixou três teses quando do julgamento do Tema 1.182 dos recursos repetitivos:
(i) Impossibilidade de exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
- (ii) Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser exigida a demonstração de concessão de estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
(iii) Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.
Em resumo, a primeira questão fixada no acórdão foi a necessidade de contabilização do incentivo fiscal de ICMS em conta de Reserva de Incentivos Fiscais, por força da previsão expressa do caput do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014. Assim, com exceção tão somente para os créditos presumidos de ICMS, o STJ afastou a tese fixada no mencionado ERESP 1.517.492/PR de que a mera ofensa ao pacto federativo seria suficiente para determinar a exclusão dos incentivos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Com isso, para fazer jus à exclusão dos benefícios na apuração do lucro real é exigida a contabilização destes valores em conta específica do Patrimônio Líquido da entidade de reserva de lucros, que somente poderá ser utilizada para absorção de prejuízos ou aumento do capital social.
Por outro lado, em um entendimento pró contribuinte, o STJ, na segunda tese fixada, contrariando o entendimento da Receita Federal sobre o tema (Solução de Consulta COSIT nº. 145 de 15 de dezembro de 20203), afastou a necessidade de comprovação da concessão do benefício como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Esse entendimento fixado pelo STJ se mostra coerente com a prática contábil das empresas, diante da impossibilidade de se “carimbar” os valores registrados na reserva, ou seja, de se estabelecer uma vinculação direta entre o valor registrado na conta patrimonial e as contrapartidas exigidas pelo Estado.
A terceira tese fixada no julgamento inicialmente causou grande controvérsia especialmente considerando os comunicados enviados pela própria Receita Federal aos contribuintes antes da publicação da íntegra do acórdão. Pela análise do acórdão, contudo, possível confirmar que o STJ reservou à Receita Federal o direito de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal forem utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.
Alguns juristas inicialmente entenderam que essa terceira tese contrariava a segunda, ao permitir que a Receita Federal, em processo fiscalizatório, exigisse do contribuinte a comprovação da concessão do benefício como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Contudo, pela íntegra do acórdão, é possível confirmar que não foi essa a determinação dos Ministros.
Com efeito, nos votos dos Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell é possível inferir que autorização da fiscalização pela Receita Federal teve como objetivo evitar o desvio dos valores para finalidade incompatível com a viabilidade do empreendimento econômico, sendo que a atuação da fiscalização federal somente poderia ocorrer em relação aos requisitos legais trazidos nos já mencionados artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e do artigo 30 da Lei Federal nº 12.973/2014. Como se depreende do trecho do voto dos Ministros:
Voto Min. Humberto Martins
Considerando, portanto, que a benesse de um ente não pode prejudicar a arrecadação do outro, não se olvidando, assim, que se tem que ter como parâmetro decisório o princípio federativo, comungo com o raciocínio jurídico desenvolvido pelo Ministro Herman Benjamin no sentido de que a constatação, em procedimento fiscalizatório, de que a empresa não comprovou devidamente o cumprimento de requisitos legais, com consequente desvio dos valores para finalidade incompatível com a viabilidade do empreendimento econômico, culmina sim no lançamento do IRPJ e da CSSL (destacamos)
Voto Min. Herman Benjamin
Nessa linha de raciocínio, em análise mais aprofundada do precedente firmado no julgamento dos EDcl no REsp 1.968.755/PR – indispensável porque estamos a decidir, em sessão presencial, feito cujo julgamento encontra-se submetido ao rito dos Recursos Repetitivos –, considero que a manutenção da exigência de que os valores dos benefícios fiscais sejam mantidos em conta de reserva do Patrimônio Líquido da empresa conduz ao entendimento de que se preserva, ainda que em menor extensão, a ratio segundo a qual tais benefícios devem estar minimamente relacionados com a viabilidade do empreendimento econômico. Assim, eventual desvirtuamento, mesmo que posterior (por exemplo, utilização desse valor para aumento do capital social, com ulterior restituição ao titular das ações ou cotas empresariais), retirará – com base no § 2º do art. 30 da Lei 12.973/2014 (não revogado pela Lei Complementar 160/2017) – a aplicação do regime jurídico estabelecido na LC 160/2017, rendendo ensejo à instauração de procedimento fiscalizatório tendente a submeter a quantia à tributação (IRPJ e CSSL). (destacamos)
Voto Min. Mauro Campbell
Por tais motivos é que adiro à terceira tese proposta pelo Min. Herman Benjamin no sentido de que as teses aqui veiculadas não obstam a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidades estranhas àquelas estabelecidas em lei, notadamente no art. 30, da Lei n. 12.973/2014. (destacamos)
Ou seja, caso a empresa tenha registrado os valores na conta Reserva de Incentivos Fiscais e realizado investimentos internos em modernização e expansão do empreendimento, é possível afirmar que estão presentes os requisitos da Lei nº 12.973/2014. A demonstração desses investimentos internos pode se dar, por exemplo, pela apresentação ao Fisco do Balanço Patrimonial da empresa que revele um aumento do imobilizado ou até mesmo um aumento do número de funcionários no exercício. O que se pretende evitar, por exemplo, é a utilização dos valores em atividades não operacionais da empresa, como a distribuição de lucros ou a aquisição de veículos e imóveis para uso próprio dos sócios.
De todo modo, em face da decisão publicada em 12 de junho de 2023, foram opostos Embargos de Declaração, de forma que as teses fixadas pelo STJ ainda podem ser revistas para sanar alguma omissão, contradição ou obscuridade.
Conclusão
Com base no exposto, é possível concluir que a primeira tese fixada pelo STJ exigiu a observância do art. 30 da Lei nº 12.973/2014 especificamente aos benefícios fiscais de ICMS que não sejam enquadrados como créditos presumidos, exigindo que os valores decorrentes dos benefícios sejam contabilizados na conta “Reserva de Incentivos Fiscais” para fins de exclusão desses valores na determinação do lucro real.
Por outro lado, a segunda tese fixada no julgamento do Tema 1182 foi benéfica para o contribuinte, pois afastou a necessidade de comprovação da utilização dos valores registrados na referida conta de Reserva de Incentivos Fiscais em contrapartidas de investimentos no Estado, como vinha sendo exigido pela Receita Federal do Brasil.
Com relação à terceira tese, é possível inferir da íntegra do acórdão que a atuação por parte da fiscalização pela Receita Federal somente poderá ocorrer se a orientação legal não for observada. Objetivou-se, com isso, evitar desvio dos valores para finalidade incompatível com a viabilidade do empreendimento econômico, para que os valores não sejam utilizados em despesas não operacionais da entidade, como a distribuição de lucro aos sócios.
De todo modo, será necessário aguardar o julgamento dos Embargos de Declaração recentemente opostos quanto à referida decisão, já que as teses fixadas pelo STJ ainda podem ser revistas para sanar alguma omissão, contradição ou obscuridade.